segunda-feira, 28 de julho de 2008

Morgana fala...



Em vida, chamaram-me de muitas coisas: irmã, amante, sacerdotisa, maga, rainha. Na verdade, cheguei agora a ser maga, e poderá vir um tempo em que tais coisas devam ser conhecidas. Entretanto, o próprio mundo mudou. Houve um tempo, em que um viajante. se tivesse a disposição e conhecesse apenas uns poucos segredos, poderia levar sua barca para fora, penetrar o mar do Verão e chegar não a Glastonbury dos monges, mas à ilha sagradade Avalon; isso porque, em tal época, os portões entre os mundos vagavam com as brumas, e estavam abertos, um após o outro, ao capricho e ao desejo do viajante. Esse é o grande segredo, conhecido de todos os homens cultos de nossa época: pelo pensamento criamos o mundo que nos cerca, novo a cada dia.
E agora os padres, acreditando que isso interfere no poder de Deus, que criou o mundo de uma vez por todas, para ser imutável, fecharam os portões (que nunca foram portões, exceto na mente dos homens), e os caminhos só levam à ilha dos padres, que eles protegeram com o som dos sinos de suas igrejas, afastando todos os pensamentos de um outro mundo que viva nas trevas. Na verdade, dizem eles, se aquele mundo algum dia existiu, era propriedade de Satã, e a porta do inferno, se não o próprio inferno.
Tive sempre o dom da Visão, de ver o interior da mente dos homens e mulheres; e, durante todo esse tempo, estive perto de todos. Assim, por vezes, tudo o que pensavam era do meu conhecimento, de uma forma ou de outra. Por isso, contarei esta história.
Um dia também os padres a contarão, tal como a conhecem. Talvez entre as duas pessoas se possam perceber alguns lampejos de verdade.
O que os sacerdotes não sabem, com o seu Deus uno e sua verdade única, é que não existe história totalmente verdadeira. A verdade tem muitas faces e assemelha-se à velha estrada que conduz à Avalon: o lugar para onde o caminho nos levará depende da nossa própria vontade e de nossos pensamentos e, talvez, no fim, chegaremos ou à sagrada ilha da eternidade, ou aos padres, com seus sinos, sua morte, seu Satã, inferno e danação...
Talvez a verdade se situe em algum ponto entre o caminho para Glastonbury - a ilha dos padres, e o caminho de Avalon - perdido para sempre nas brumas do mar do Verão.
Mas esta é a minha verdade. Eu, que sou Morgana, conto-vos estas coisas. Morgana, que em tempos mais recentes foi chamada Morgana, a Fada.

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